segunda-feira, 12 de julho de 2010

Do leite derramado

É conhecido o ditado que diz não se dever chorar sobre o leite derramado, e, às vezes, como se sucedem com os ditados, isto parece produzir uma verdade evidente na hora de sua evocação. Desta forma, o ato de reclamar  por algo que já passou se torna sempre um  absurdo e aparentemente desprovido de função positiva.

Mas o fato de se reclamar sobre algo que já não se tem mais poder de mudar, pode ter sim uma motivação construtiva para o sujeito, na medida em que o sofrimento gerado não o permita criar aberturas para que tal se repita, pelo contrário, quem se resigna demais com os problemas pode não tentar impedi-los de se passarem novamente.

A reclamação ou o incomodo pelo leite derramado, pode ser o mecanismo do sujeito para mudar o futuro

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Do dizer e do não dizer

Alguns momentos da vida são tão ricos de sentimentos e significados que fica difícil colocá-los num texto, primeiro porque tudo parece a princípio, confuso, mesmo que isso seja apenas uma limitação da razão; segundo porque tentar separá-los é um ultraje à comunhão interior em que eles se encontram e terceiro porque pode, em um bom momento, se assemelhar a matar algo só para saber o que tem dentro.

Tentar falar ou escrever qualquer coisa significa, antes de mais nada, fazer uma mediação, uma conversão, trocar a essência de algo por outra coisa. As palavras, o discurso precisam seguir uma linearidade, uma ordem que se assemelha a uma fila, palavra atrás de palavra. Isto é uma transformação tão radical do emaranhados de sentimentos que seu resultado pode se tornar, às vezes, apenas uma farsa. Os sentimento possuem outra forma, não-linear, se penetram, coexistem com opostos, sintetizam-se, harmonizam-se, escapam à organização e ao princípio de identidade tão fundamental para qualquer discurso.

Além disso, unidos se alimentam um dos outros como em um ecossistema complexo, todos concorrendo para potencializar a existência do conjunto, de uma tal forma, que já não se sabe o que é um e o que é outro, transformando-se em algo único, uma outra hipótese gaia. E sendo esta união que dá sentido ao momento, tentar destrinchá-las seria como dissecar um animal de estimação só para saber porque ele nos alegra.

Por isso não vou falar nada de hoje, porque são tantas coisas em conjunto, brincando em volta de mim, pulando no meu colo e fazendo festinha que irei apenas curtir o instante.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Pelos olhos de um outro

De tempos em tempos cai em minha mão algum livro que consegue transcender a simples fruição. Me dedico a ele, como quem busca desvendar uma língua, que já não sabem mais como lê-la, na crença firme de que lá se encontra a chave de um grande enigma; como se fosse aceito por um velho mestre oriental de centenas de anos, cujas palavras sempre estivessem carregadas da mais sublime sabedoria; ou como quem se depara consigo mesmo e sorri

Leio, paro, medito, releio, me encontro.

O texto deixa de ser algo externo e começa a fazer parte de mim, constrói uma visão da realidade, o chão em que começo a edificar minha morada, o espelho em que me vejo, um amigo com quem se dialoga constantemente, sem saber onde começa um e termina o outro.

Hoje comecei a ler "As cidades invisíveis" e me senti obrigado a fazer isso compulsivamente, como se tivesse andado muito tempo no deserto e encontrasse finalmente um oásis com água abudante para matar minha sede, li para ver a próxima frase e ter a certeza de que realmente havia encontrado algo que desejava, surpreendendo-me a cada novo capítulo, ao mesmo tempo querendo retornar todas as frases lidas para guardá-las melhor, pensá-las, desdobrá-las, ficar encaixando-as  em centenas de possibilidades criativas.

Cidades maravilhosas construídas nos homens e que nos rodeiam, sem jamais poderem existir, em um relato fantástico de viagem, pois  "o viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá"